PLATÃO
Biografia
Como descrever tão grande, amplo e sensível espírito? Certamente uma das maiores almas que a humanidade já conheceu. Estamos falando de um gênio universal. Decerto nunca se conseguiu reunir, com tanta beleza e maestria, um filósofo e um dramaturgo numa só obra. Teve uma influência marcante na literatura de todas as épocas e na história da raça humana. Foi considerado por muitos o filósofo mais importante do mundo ocidental.
Numa época de grande conturbação política e mudanças cosmológicas, nasce o ateniense Platão ( 428- 347 a.C.). Oriundo de família abastada, em sua mocidade viveu na opulência e conheceu todos os luxos e prazeres tão comuns às classes aristocráticas. Teve muito boa e esmerada educação. Vivia entre festejos e rodeado de amigos. Moço, belo e robusto, tinha também ombros largos, e por esta última característica recebeu o apelido de Platão. Seus pais lhe haviam dado o nome de Arístocles.
Na juventude, destacou-se como soldado e atleta. Também teve forte contato com a arte. Buscando o belo, em todas as suas modalidades, cultivou a pintura, a música e a poesia. Dispunha de maravilhosa facilidade para todos os gêneros. Chegou a ter a ambição de tornar-se um novo Sófocles, grande figura do teatro ateniense. Tinha, também, pretensões de entrar para a política e trabalhar para o bem social. Nessa época, iniciou-se na filosofia de Heráclito, tendo como mestre um homem chamado Crátilo. Foi, no entanto, o encontro com Sócrates, o evento que mais profundas e transformadoras impressões produziu no seu espírito sutil e sensível.
O jogo dialético desse filósofo apresentou-se a ele como um grande novo vislumbre e prazer. Era muito deleitoso ver o mestre esvaziar os dogmas e descontruir as idéias pré concebidas dos sofistas com as afiadas pontas de suas perguntas. Após algumas semanas de convivência com seu novo amigo e mentor, o jovem Platão desiste de sua conduta e aspirações pretéritas. Converte-se, ao exemplo socrático, àgrande renúncia da sabedoria. Chega a dar um banquete em sua casa, anunciando aos amigos a sua mudança.
Platão mergulhou no e aprimorou o trabalho de Sócrates, dando à filosofia a sua primeira grande sistematização. Seu método passou a chamar-seDialética e a exprimir-se sobre a forma de Diálogos. A diferença do seu sistema para o socrático é que este último produzia um saber negativo, levando seus interlocutores a saber que nada sabiam. Platão, ao contrário, foi além e produziu um saber positivo.
A vitória de Atenas sobre os persas, em 479 a.C., marcou também a consolidação da democracia na cidade. Dentre os novos valores que surgiam, estava o da educação. Era preciso formar cidadãos aptos à vida pública, e para tal era necessário que fossem bons oradores, que soubessem argumentar bem. Essa educação ficou a cargo dos Sofistas, que eram todos estrangeiros e excluídos da condição de cidadãos, portanto, não se interessavam diretamente pelos destinos da cidade.
Os sofistas eram homens doutos, de grande erudição, e cobravam caro aos jovens por seu ensino. Pregavam a relativização da verdade. Para eles, o mundo humano era apenas uma criação do próprio homem. Não havia um único principio( moral e/ou transcendente), que a tudo comandasse, mas apenas convenções que eram estabelecidas para depois serem abandonadas. Os valores e as verdadeseram instáveis e relativos. A própria linguagem também não passaria de convenção, sem poderes para expressar a verdade, a não ser verdades relativas de cada um.
Após a vitória sobre os persas, Atenas havia se tornado uma grande potência e sua influência foi estendida por toda a Grécia. Houve um período de apogeu cultural e político, que no entanto, fez crescer as rivalidades com Esparta, culminando, em 431 a.C., na Guerra do Peloponeso. O conflito dura até 404 a.C., quando Atenas finalmente se rende. Com a derrota, o regime democrático, que já se encontrava enfraquecido e em crise, cede lugar ao governo dos Trinta Tiranos. Embora restaurada em 403 a.C, a democracia ateniense jamais voltou a ser a mesma.
A crise de valores políticos e morais era intensa, e ainfluência sofista servia como combustível para a máquina de corrupção e degradação moral instalada na cidade. Importava apenas aprender a falar bem, vencer adversários em debates e galgar cargos políticos cada vez mais altos, não importando o custo disso. Na contramão dessa corrente de pensamento, estava Sócrates e, por conseguinte, Platão. Do primeiro, pode-se dizer que foi o fundador da Ética. Acreditava que a verdade existia sim, e que os valores deveriam ser guiados pela busca da Virtude. Pensava racionalmente as questões morais, denunciando tudo aquilo que parecia ser virtuoso, mas não era. Afetando os interesses dos poderosos, foi acusado de negar os deuses que o estado cultuava e de corromper a juventude, sendo julgado e condenado à morte.
Platão tinha vinte e oito anos quando seu mestre morreu; e esse trágico fim de uma vida serena, deixou marca em todas as fases de seu pensamento. Tomou-se de desdém pela política vigente e pela democracia, convencendo-se de que esta deveria acabar e ser substituída pelo governo dos mais sábios e melhores. O problema de achar tais homens e ainda de habilitá-los e persuadi-los a governar seria uma das principais questões de sua vida.
A partir desse momento, passou a empreender longas viagens, enriquecendo-se com as idéias e doutrinas do Egito, de Cirene e do Ocidente em geral, reencontrando também os Pitagóricos, como Archytas de Tarento. Querem alguns que tenha chegado à Judéia, onde por algum tempo se influenciou com as idéias daqueles profetas quase socialistas. Também teria se dirigido às margens do Ganges, aí conhecendo as meditações místicas dos hindus.
Voltou para Atenas em 387 a.C., tinha então quarenta anos e seu espírito estava amadurecido pela visão da variedade dos povos e pela sabedoria de muitas terras percorridas. Nesse período, comprou uma propriedade nos arredores da cidade e fundou uma escola, a Academia, onde passou a desenvolver seus estudos. A Academia não era uma instituição escolar no sentido moderno. Foi antes uma espécie de irmandade, com algumas convicções religiosas , em que se discutia livremente a respeito de temas como matemática, música e astronomia, além de questões propriamente filosóficas. Na entrada, um lema indicava a inspiração pitagórica: “Não entre quem não saiba geometria”.
A Academia sobreviveu por 900 anos, até ser fechada por ordem do imperador romano Justiniano em 529. Platão ali passou a maior parte de sua vida, salvo por algumas viagens que fez para meditar, educar os jovens e compôr seus diálogos. Seus últimos anos devem ter sido muito venturosos. Discípulos espalharam-sepor todos os rumos e seus triunfos o tornaram venerado em toda parte. Morreu aos 87 anos e toda Atenas compareceu ao seu enterro.
A Filosofia platônica
Platão deixou uma vasta obra. Atribuem-se a ele cerca de 35 diálogos e 13 cartas ou Epístolas. Seus diálogos mais conhecidos são : A República, As Leis, Apologia de Sócrates, Banquete, Ménon, Fedro, Fédon, Timeu, Teeteto, Protágoras, Sofista. Os 2 considerados principais , A República e As Leis, formam o alicerce das primeiras intenções de uma ciência política. A República é, só por si, um tratado completo, está aqui o filósofo condensado em um livro; nele encontramos sua metafísica, sua teologia, sua ética, sua psicologia, sua pedagogia, sua política e sua teoria da arte. Estão aqui diversos problemas de sabor moderno e contemporâneo. Os diálogos platônicos são um tesouro eterno para a humanidade. É importante lembrar que eles foram criações de sua maravilhosa imaginação, não aconteceram realmente. E que tinham sempre Sócrates como personagem central, aquele que os conduz e conclui. Foi uma forma do discípulo homenagear o seu Mestre, imortalizando-o através de sua obra.
A base do pensamento platônico foi marcada, de um lado, pela busca de uma realidade transcendente, perfeita e imutável, e por outro, pela construção de um sólido edifício teórico no sentido político. Anseio de remodelação social que o ocupou até o fim de seus dias.
No primeiro viés, encontramos a Teoria das Idéias, tão brilhantemente desenvolvida nas alegorias dos diálogos Fedro e A República. Por trás da realidade sensível, a que podemos perceber através dos sentidos, das formas visíveis, mutáveis, imperfeitas do mundo e dos seres; existem as formas invisíveis, perfeitas, para sempre radiantes desses mesmos seres, vistas pelo espírito e que são seus modelos eternos. Desse modo, há dois mundos: O Sensível, ou aparente, e o inteligível, ou Ideal.
Quando falamos de formas ideais, estamos nos referindo a conceitos, idéias, que vão desde os de, por exemplo, Cavalo, Círculo, até Justiça e Verdade. Fazemos menção ao mundo das Essências ( Eidos), conforme o definiu Platão. Existe uma diversidade de cavalos, de vários tamanhos e cores, mas todos são cavalos. O conceito é imutável. Sempre existiu e sempre existirá. Hávárias opiniões sobre o que é a Justiça, mas essencialmente, intuitivamente, nós sabemos o que é a Justiça. Um Círculo será sempre um Círculo, independentemente da época ou do que aconteça no mundo sensível.
Ora, estes dois mundos, embora separados, relacionam-se num sentido preciso: as coisas sensíveis imitam as idéias que lhes correspondem, assim com um pintor imita em seu quadro a natureza. Como imitação, as coisas sensíveis são sempre imperfeitas. E isso explica porque o mundo sensível é variado e sempre em mutação.
Mas é também por causa dessa relação de imitação que os homens, situados no mundo sensível, podem conhecer as idéias, como quem se lembra do modelo do qual foi tirada a cópia. Conhecer é assim reconhecer, lembrar-se das idéias que foram contempladas pela alma, mas esquecidas por causa do apego do corpo ás coisas sensíveis. A alma possui essa capacidade de reconhecimento porque de certo modo participa do mundo inteligível: como as idéias, ela é imaterial, incorpórea e impalpável, constituindo um elo de ligação que ainda mantemos com o mundo Ideal. Ler a Teoria da Reminiscência ( diálogo Fédon).
Qual será, então, o caminho, ou os caminhos, para se chegar à Verdade, segundo Platão? A Dialética e o Amor. A primeira vem de “Dia Logos”, que significa “duas inteligências”. Esta dualidade irá engendrar a Verdade. O caminho para ela será a Filosofia estimulada pela Inteligência, que é a chave do conhecimento. Essa prática revela o mecanismo e o dinamismo que subtraem o espírito da pobre visão dos reflexos do mundo sensível, para conduzi-lo, no fim de uma inelutável progressão, guiada pelo amor, até o domínio radioso do Uno, do Belo.
Por meio de afirmações, e de objeções à elas, vai-se formando um consenso que não é um mero consentimento, mas uma autêntica unanimidade de pensamento, pois as conclusões a que se chega são incontestáveis e não admitem nenhuma outra solução. Desse modo, de passo em passo, o pensamento separa o que é aparente do que é essencial e, portanto, verdadeiro.
Finalmente, o despertar da alma para o mundo das Idéias faz-se por um sentimento, que é o amor. Esse conceito foi explorado nos diálogos Banquete e Fedro. De início, o amor é carnal e deseja um corpo belo, mas, aos poucos, passa a desejar a própria Beleza e o conhecimento da sua idéia. E o que pode haver de mais belo para o intelecto senão a Verdade?
O amor que deseja a Verdade é a própria Filosofia ( literalmente, “amor ao saber”). O filósofo que alcança a verdadeira realidade tem uma missão : a de voltar ao mundo sensível dos homens e transmiti-la, mesmo que seja incompreendido. Dialética ascendente e Dialética descendente. Ler o Mito da Caverna, que abre o Livro VII, de A República. Conhecer, para Platão, é conhecer o Bem, a Idéia Suprema que, como o Sol, ilumina as demais idéias, tornando-as compreensíveis.
Platão vai então unir a Teoria das Idéias às suas concepções sobre o que seria um Estado ideal. Conhecer o Bem significa que finalmente é possível organizar a cidade não mais segundo as opiniões, mas tendo como base o verdadeiro conhecimento. A cidade depende de três funções: a satisfação das necessidades básicas dos habitantes, a defesa do território e, por fim, a administração. A população, por isso, deve ser dividida nessas funções, segundo a aptidão de cada um: uns serão agricultores e artesãos; outros, guerreiros e guardiães da cidade. Aqueles, por fim, que se destacarem nos diversos níveis progressivos da educação pelo verdadeiro conhecimento, devem dirigir a cidade.
Ele dirá na Carta VII que os males não cessarão para a humanidade antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder. Uma conclusão talvez drástica, mas inevitável para quem foi levado à filosofia pelo desencanto com a política cega dos homens.
Considerações finais
Num mundo grego em franca decomposição de valores e relativização de verdades, Platão buscou o permanente, o absoluto, o imutável. Tanto no sentido metafísico, quanto no de conduta humana. Com isso, ofereceu novos nortes, tanto para o seu tempo, como para as gerações vindouras.
Soube, como ninguém, unir o melhor da sabedoria filosófica do mundo antigo com os cortes epistemológicos feitos por seu mestre, Sócrates. Cortes esses que nos trouxeram, de um lado, o direito e o benefício da dúvida ( Aporia), do questionamento. E, por outro, retiraram a discussão do domínio da Physis e a trouxeram para os territórios antropológico e ético.
Toda vez que o direito a questionar foi negado, a humanidade regrediu a obscurantismos religiosos e políticos. Como foram os casos da Idade Média e das ditaduras e regimes totalitaristas do século XX. Também sabemos das trágicas consequências geradas pela separação entre moral e política. Chaga da qual nunca nos livramos. Estão aí os sofistas modernos, com sua demagogia e manipulação a serviço dos poderes dominantes.
Existem dois Platões em um só Platão. O esotérico, que até hoje é estudado nas ordens maçônicas, gnósticas e rosacrucianas. Esse lado do filósofo que bebeu dos ensinamentos das escolas egípcia e pitagórica. E desta última recebeu o grau de Iniciado. Alcançou grandes alturas filosóficas e vislumbrou o que seria isso chamado de Iluminação espiritual. Talvez até ele a tenha alcançado.
De outro lado, temos o exotérico. O que construiu a primeira grande sistematização política de que se tem notícia. E foi o pai das utopias. Deu também, juntamente com sua escola, a Academia, consideráveis contribuições para o que hoje é conhecido como Ciência.
O que é a Justiça? Seria ela, nada mais do que apenas o interesse do mais forte, como quis o sofista Trasímaco, no livro I da República? Qual o melhor sistema de governo? Hoje, a ciência investigou a matéria em suas últimas transformações, mas continua, por vezes, em face do inexplicado e do invisível. O que fazer quanto a isso? É aí que sempre nos retorna, de alguma maneira, o mestre Platão. Simples, modesto, com seu constante exercício dialético. Eterno, porque sempre atual.
Fontes:
Os grandes iniciados. EdouardSchuré.
Diálogos de Platão ( Ménon, Banquete, Fedro). Coleção UNIVERSIDADE. EDIÇÕES DE OURO.
Diálogos de Platão ( A República). EDIÇÕES DE OURO.
História da Filosofia. Bernardette Siqueira Abrão.
História da Filosofia. Wiil Durant.
Curso de Filosofia à Maneira Clássica. Nova Acrópole Associação Cultural.
Canal do youtube“ Isto não é Filosofia”, do Prof. Vitor Lima. Video sobre Platão/ Playlist- Filosofia Antiga.
Platão: biografia, principais idéias, obras e frases- Mundo Educação www.mundoeducacao.uol.com.br
Em que acreditam os astrólogos? Nicholas Champion.
História do Esoterismo Mundial. Da Atlântida aos Dias atuais. Hans- Deiter Leuenberger
Formado em Psicologia. Dedica-se ao ofício da
escrita há alguns anos. Escreve principalmente contos, crônicas, poesias e
ensaios. É também pesquisador autodidata em Filosofia e Literatura.
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