O
circo-teatro ou teatro mambembe e a disseminação da cultura no interior do país
No
verão de 1972, aos oito anos, pela primeira vez na vida, eu assisti a uma
representação – ainda que bem simplória – de “Romeu e Julieta”, um clássico do
teatro universal, escrito por Shakespeare.
A
minha pequeníssima cidade, no interior do Rio Grande do Sul, recebeu, entre
dezembro de 1971 e março de 1972, um teatro itinerante ou teatro mambembe, no
estilo politeama (fechado com chapas alumínio), com cadeiras e arquibancadas e
um palco ao fundo, em que eram encenados melodramas, dramas e filmes adaptados,
farsas, comédias, havia um pequeno show artístico com cantores da companhia
revezando-se no palco e interpretando músicas de sucesso e, ao final, um
esquete cômico.
O
teatro em questão chamava-se Teatro Serelepe, que atuava sob o comando de José
Maria de Almeida e sua esposa, Lea Benvenuto de Almeida. Em março daquele ano,
o teatro foi embora e, raramente, havia notícias sobre tragédia envolvendo a
família e seus artistas. Mas, em julho de 2006, quase 35 anos depois, o Teatro
de Lona Serelepe regressou. Meu pai e eu, que éramos presença cativa em 1972,
repetimos a dose. Estava dado o tema para compor a minha tese de doutorado em
Letras, pesquisar as “peças de chorar” (melodramas), que o teatro não encenava
mais.
Pesquisei
então a origem do teatro propriamente dito, que nasceu no Egito, cerca de 5.000
anos atrás, cujo apogeu deu-se na Grécia ao tempo de Ésquilo, Sófocles e
Eurípedes, principais autores da tragédia grega, e que, ao longo dos séculos,
passou por inúmeras transformações. O que importa aqui é: 1. O teatro nasceu
pobre, no meio rural, encenado muito provavelmente em tablados de madeira, com
artistas exclusivamente masculinos, que usavam ornamentos para caracterizar
personagens femininas; 2. O melodrama é um tipo de peça que surgiu na França,
pós-revolução, e que é marcado pela clara oposição entre o bem e o mal: há uma
situação estável, aparece um vilão que a instabiliza, mas o mocinho consegue
devolver a paz e a tranquilidade. Tem-se, pois, a clássica divisão entre o bem
e o mal, o vício e a virtude, o herói e o bandido. Ao final, predomina a ordem
e “todos são felizes para sempre” – ao melhor estilo telenovela.
O
circo, por sua vez, data da segunda metade do século XVIII na Inglaterra e
emergiu como circo de cavalinhos, em que cavaleiros egressos das fileiras que
serviam a rainha, montavam seus cavalos treinados e apresentavam acrobacias.
Para “quebrar” a monotonia das apresentações, entrava em cena o palhaço, também
um cavaleiro, com bom porte físico para fazer graça, suportar os malabarismos
que simulavam erros de equitação e provocar risos. O circo, portanto, tem
origem aristocrática.
Dois aspectos ressaltam-se aqui, nessa primeira abordagem: nada do que parece ser é: o teatro tem origem humilde e se sofistica; o circo nasce entre a elite e se populariza. Outra questão importante é que os grandes grupos teatrais em atuação no Brasil nos séculos XIX e XX não tinham condições – físicas, humanas e econômicas – para excursionarem pelo país, de tal forma que os pequenos circo-teatros ou teatros mambembes, ainda que, com produções rudimentares, disseminaram cultura entre as regiões menos acessíveis, cumprindo relevante papel sociocultural em uma época em que a televisão, se existia, restringia-se a poucas residências.
Elaine Dos Santos
Érevisora de textos acadêmicos (projetos, artigos, dissertações, teses).
Ficamos muito agradecidos ao jornal Escritores da Serra. Nosso evento segue acontecendo no segundo sábado de cada mês. Cultura para todos, todos pela cultura é nosso lema.
ResponderExcluirDesculpa meu comentário era pra outra reportagem.
ResponderExcluirMas a referência entre o Teatro e o Circo é verdadeira Elaine. Você é de Restinga Seca. Eu de Caiçara. O RS é nosso querido Estado ☺️.
Parabéns pelo texto 👏