terça-feira, 15 de março de 2022

O TEMA É CULTURA.

 


O circo-teatro ou teatro mambembe e a disseminação da cultura no interior do país

 

No verão de 1972, aos oito anos, pela primeira vez na vida, eu assisti a uma representação – ainda que bem simplória – de “Romeu e Julieta”, um clássico do teatro universal, escrito por Shakespeare.

A minha pequeníssima cidade, no interior do Rio Grande do Sul, recebeu, entre dezembro de 1971 e março de 1972, um teatro itinerante ou teatro mambembe, no estilo politeama (fechado com chapas alumínio), com cadeiras e arquibancadas e um palco ao fundo, em que eram encenados melodramas, dramas e filmes adaptados, farsas, comédias, havia um pequeno show artístico com cantores da companhia revezando-se no palco e interpretando músicas de sucesso e, ao final, um esquete cômico.

O teatro em questão chamava-se Teatro Serelepe, que atuava sob o comando de José Maria de Almeida e sua esposa, Lea Benvenuto de Almeida. Em março daquele ano, o teatro foi embora e, raramente, havia notícias sobre tragédia envolvendo a família e seus artistas. Mas, em julho de 2006, quase 35 anos depois, o Teatro de Lona Serelepe regressou. Meu pai e eu, que éramos presença cativa em 1972, repetimos a dose. Estava dado o tema para compor a minha tese de doutorado em Letras, pesquisar as “peças de chorar” (melodramas), que o teatro não encenava mais.

Pesquisei então a origem do teatro propriamente dito, que nasceu no Egito, cerca de 5.000 anos atrás, cujo apogeu deu-se na Grécia ao tempo de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, principais autores da tragédia grega, e que, ao longo dos séculos, passou por inúmeras transformações. O que importa aqui é: 1. O teatro nasceu pobre, no meio rural, encenado muito provavelmente em tablados de madeira, com artistas exclusivamente masculinos, que usavam ornamentos para caracterizar personagens femininas; 2. O melodrama é um tipo de peça que surgiu na França, pós-revolução, e que é marcado pela clara oposição entre o bem e o mal: há uma situação estável, aparece um vilão que a instabiliza, mas o mocinho consegue devolver a paz e a tranquilidade. Tem-se, pois, a clássica divisão entre o bem e o mal, o vício e a virtude, o herói e o bandido. Ao final, predomina a ordem e “todos são felizes para sempre” – ao melhor estilo telenovela.

O circo, por sua vez, data da segunda metade do século XVIII na Inglaterra e emergiu como circo de cavalinhos, em que cavaleiros egressos das fileiras que serviam a rainha, montavam seus cavalos treinados e apresentavam acrobacias. Para “quebrar” a monotonia das apresentações, entrava em cena o palhaço, também um cavaleiro, com bom porte físico para fazer graça, suportar os malabarismos que simulavam erros de equitação e provocar risos. O circo, portanto, tem origem aristocrática.

Dois aspectos ressaltam-se aqui, nessa primeira abordagem: nada do que parece ser é: o teatro tem origem humilde e se sofistica; o circo nasce entre a elite e se populariza. Outra questão importante é que os grandes grupos teatrais em atuação no Brasil nos séculos XIX e XX não tinham condições – físicas, humanas e econômicas – para excursionarem pelo país, de tal forma que os pequenos circo-teatros ou teatros mambembes, ainda que, com produções rudimentares, disseminaram cultura entre as regiões menos acessíveis, cumprindo relevante papel sociocultural em uma época em que a televisão, se existia, restringia-se a poucas residências.

Elaine Dos Santos


Natural de Restinga Seca/RS. Possui doutorado em Letras (UFSM/2013) com ênfase em Estudos Literários.Foi professora de Língua Espanhola e Literatura.Atuou nos ensinos médio e superior, predominantemente, na disciplina de Literatura.
Érevisora de textos acadêmicos (projetos, artigos, dissertações, teses).
Autora do livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro itinerante (2019).
Cronista, participa de antologias nacionais e internacionais.
Membro da Alpas 21 Academia Literária de Cruz Alta/RS; da Academia Internacional União Cultural de Taubaté/SP, da Academia Internacional Mulheres de Letras e da Academia Intercontinental Sênior de Literatura e Arte.


2 comentários:

  1. Ficamos muito agradecidos ao jornal Escritores da Serra. Nosso evento segue acontecendo no segundo sábado de cada mês. Cultura para todos, todos pela cultura é nosso lema.

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  2. Desculpa meu comentário era pra outra reportagem.
    Mas a referência entre o Teatro e o Circo é verdadeira Elaine. Você é de Restinga Seca. Eu de Caiçara. O RS é nosso querido Estado ☺️.
    Parabéns pelo texto 👏

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