sexta-feira, 1 de abril de 2022

SHIRLEI PINHEIRO ENTREVISTA

 

O ENTREVISTADO DESTA EDIÇÃO É TCHELLO d’BARROS

Poeta, roteirista, produtor cultural, curador, artista plástico... Ufa! Será que ainda tem mais algum espaço na carreira artística de Tchello d’Barros? Sim, ele também é fotógrafo, mas no caso de Tchello criar rótulos ou tentar classificar seu trabalho, seria algo digamos... Inútil.
Nascido em Brunópolis (SC) em 1967, morou em 15 cidades, realizou atividades culturais em todos os Estados do Brasil. Mais do que um artista multifacetado, ele é uma mente inquieta, produtiva e sem dúvidas alguém que gosta do que faz, e consequentemente faz muito bem, nos oferecendo o que há de melhor na cultura, com seu trabalho de excelente qualidade.
A seguir, acompanhe a minha entrevista com Tchello d’Barros e conheça mais do seu trabalho.


JORNAL ESCRITORES DA SERRA - Quando e como foi seu início na literatura?

TCHELLO d’BARROS - Gosto de pensar que nunca houve um início, que escrevia ficcional e poeticamente, de forma amadora é claro, desde que aprendi a escrever. Cresci em Santa Catarina e, criança, escrevia argumentos para histórias em quadrinhos ou desenhos animados, declamava na escola, redigia redações que se destacavam, participava de varal de poesia, feirinha de livro na escola, essas coisas. O primeiro poema publiquei mesmo só em 1.993 numa coletânea impressa de poemas e os primeiros contos eram publicados no jornal Diário Catarinense.





JES - Qual a sua formação?

TB - Hoje sou acadêmico numa instituição federal cursando especialização lato sensu em Patrimônio Cultural. Fiz outra em História da Arte e uma graduação em Comunicação Social/Audiovisual. Mas passei alguns períodos em diversas universidades, em cursos de Letras, Artes Visuais e disciplinas em áreas criativas. Cursar (e depois ministrar) dezenas de oficinas, cursos livres e workshops ajudaram nesse mergulho na Literatura, nas artes, na cultura. Intuo que a leitura de mais de mil livros devem ter somado um pouco também. Creio mesmo que nunca estamos formados. Nosso imaginário é uma lapidação contínua...

JES - Você costuma se inspirar em outros autores ou prefere seguir um estilo mais livre?

TB - O maior desafio para qualquer escritor(a) é encontrar uma linguagem original, sua voz literária ou mesmo a pretensão de inovar na linguagem, contribuir para seu idioma, propor novas métricas ou tendências etc. No entanto alguns teóricos consideram que tudo que escrevemos é em certa medida intertextual, relaciona-se com os textos (portanto os autores) que nos precederam. Em meu caso apenas deixo a pena correr solta em pleno fluxo criativo e depois vou lapidando. No quesito estilo talvez seja mais fácil situar minha escrita poética no âmbito da Poesia Experimental (que inclui a Poesia Visual) e na Prosa minha escrita de contos na modalidade do Realismo Fantástico.



JES - Como você se define artisticamente?

TB - Pelo fato de dedicar-me à diversas linguagens, sou frequentemente carimbado de artista multimídia, multilinguagem, multidisciplinar etc. Penso que esse terreno dos rótulos, definições, categorizações e afins devem ser preocupações mais de editores, curadores e pesquisadores. Eu apenas sigo criando, produzindo textos e imagens. Ainda assim, não será demais compartilhar aqui que sinto-me um espírito livre, compartilhando estéticas e poéticas em minha própria contemporaneidade.

JES - Qual o papel do escritor na sociedade atual?

TB - Os artistas das letras, de uma forma geral, não precisam necessariamente cumprir um papel social a partir de sua obra, pois Literatura é Arte e esta não dever ter função alguma, ainda que o resultado sejam as emoções estéticas que qualquer obra provoca. Ainda assim, a História é rica em escritores que influenciaram sociopoliticamente seu tempo e lugar, como Maiakovski, Pound ou Neruda. O compromisso de quem escreve é com as emoções de seus incertos e muitas vezes improváveis leitores. Mas como cidadão, como indivíduo integrante da comunidade, sociedade e humanidade, o papel de qualquer escritor(a) pode ser o mesmo de qualquer pessoa: atuar propositivamente para a melhoria de seu lugar, para os avanços nos direitos humanos em seu país e para a evolução moral da espécie.

JES - Você também é roteirista, fale um pouco sobre esse trabalho.

TB - A escrita de contos (além de outros gêneros e modalidades da Prosa), somada à condição de cinéfilo desde a adolescência, levou-me quase que inexoravelmente a envolver-me em produções audiovisuais diversas, desde Cinema à Videopoesia. É claro que as aulas de Cinema durante a graduação na UFRJ adensaram esse encontro com a arte do roteiro, do argumento, da escrita para ao Audiovisual. Além de ter participado em mais de 40 produções nas mais diversificadas funções, hoje mantenho o projeto Banco de Roteiros, no qual disponibilizo meus roteiros mais recentes para atores, produtores e diretores.




JES - Você foi o idealizador da Intervenção Urbana “Bombardeio Poético” realizado em 1995, conte sobre esse projeto e como foi a reação das pessoas em uma época em que a cultura não era tão abrangente.

TB - Naquele período pré-internet as ações culturais não alcançavam a visibilidade possível nos dias de hoje. Ocorreu que nessa altura eu participava de Performances, Instalações e Intervenções, enquanto que no paralelo eu praticava paraquedismo na germânica cidade catarinense de Blumenau. Assim, coincidindo que naquele ano seria o cinquentenário das bombas atômicas, mandei imprimir mil poemas com mensagens de paz, em folhas dobradas em formato de aviãozinho de papel, e desde um Teco-Teco, “bombardeei” a cidade nesse manifesto pela paz. A ação foi capa do principal jornal daquele Estado e até hoje, várias pessoas guardam com carinho os aviõezinhos que pegaram no dia dessa inesquecível Intervenção.

 

JES - Você é um artista multimídia, de todas as vertentes artísticas que trabalha, qual a que mais gosta, ou que mais se identifica?

TB - Já tive essa preocupação mais no início da carreira. Me perguntava(m) qual a linguagem dominante em meu trabalho. Depois, as identificações aconteciam por fases, pois eventualmente passava um semestre preparando obras para uma mostra de pintura, ou escrevendo um novo livro. Logo, tudo começou a se cruzar, me envolvendo em vários projetos ao mesmo tempo. Por fim, tendo textos publicados em mais de cem coletâneas, antologias e didáticos, após ter obras visuais em mais de 170 exposições em 20 países, me parece que a resposta para essa questão deva ficar mais com o público mesmo, com quem tem contato com as criações, sejam textuais, visuais ou cinemáticas.

JES - Você foi presidente da Sociedade Escritores de Blumenau, qual a importância de uma entidade como essa em um país que não valoriza a cultura?

TB - Ao longo de uma carreira com mais de duas décadas e meia, participei desta e de muitas outras instituições culturais independentes, pois sempre houve e ainda há uma postura militante no sentido de que a cultura, seja local ou nacional alcance o valor e reconhecimento que merece. Nas 15 cidades em que morei – tendo visitado todos os Estados do Brasil – percebi que o associativismo artístico, com seus coletivos, entidades, academias locais, sindicatos etc existem para cumprir as lacunas deixadas pelas instâncias do poder instituído, cujas políticas públicas para a Cultura não só deixam a desejar como refletem o nível cultural de nossos (des)governantes de forma geral. Artistas que se agregam, unem esforços e geram propostas, têm mais força na hora de exigir ações concretas para o desenvolvimento da cultural em sua cidade, em seu país.

JES - Qual a mensagem que você deixa para aqueles que querem ingressar na vida literária?

TB - Que desistam desse mero sonho e vão procurar algo útil para fazer. Seu desejo por aplauso, fama passageira ou dinheiro fácil sequer justifica as árvores derrubadas para as páginas de seu suposto necessário livro. Se ainda assim, permanecer esse formigamento por escrever e publicar desista novamente e torne-se um bom leitor, alguém que ama profundamente a arte literária e tenha sempre em mãos os melhores livros. Mas digamos que a teimosia da pessoa seja assim implacável, dessas irredutíveis mesmo, aí então a pessoa que se responsabilize por um mergulho profundo nas densas águas da Literatura, numa dedicação intensa na arte da escrita de forma a dar propósito à sua vida, numa vivência transcendente cujo amor pelas letras resulte em obras que farão a diferença na vida de seus leitores. 


JES - Tem algum projeto em mente?

TB - Nessa altura da carreira estou sempre envolvido em diversos projetos, sendo que alguns se hibridizam e entrecruzam. No momento venho transformando meus 7 livros de poemas (esgotados na versão impressa) em e-books e para breve sairá meu primeiro livro de contos. Quanto à escrita em si, venho há mais de um ano me debatendo no desafio de escrever um romance baseado nos anos em que vivi na Amazônia.

JES - Tchello d'Barros por Tchello d'Barros

TB - Um prestidigitador polissêmico à serviço de enlevos, estesias e alumbramentos.

Perguntas rápidas:

Livro favorito?

“Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift

Filme favorito?

“O Livro de Cabeceira” (The Pillow Book) com direção de Peter Greenaway

Atores favoritos?

Sônia Braga e Paulo Autran (In Memoriam)

 

Autor favorito?

Jorge Luís Borges

Escreva abaixo um trecho de algum livro seu.

 

DESATAR A LINHA DO HORIZONTE

Tchello d’Barros

            Atravessou desertos, florestas, cordilheiras e oceanos. Visitou terras inexploradas, países longínquos e conheceu povos exóticos. Conversou com sábios, religiosos e políticos. Amou belas mulheres, viveu experiências transcendentes em aventuras insólitas. Queria conhecer o sentido da vida. Finalmente, chega ao oráculo. Ao adentrar o templo, seduzido pelas oraculinas, entra em estado de transe, sem saber se sonha ou se está em vigília. Tenta meditar sobre seu destino, indaga sobre o sentido da vida, vaticina sobre os caminhos a seguir nesse mundo. De olhos semicerrados, acredita ouvir a voz tonitruante do oráculo:

Ser o demiurgo de um sonho metafísico numa sanha idiossincrática, sincrética, em sinas de acasos e insanos ocasos de êxtases. Desenhar um signo, uma esfinge estática, estética, cujos olhos desatam a linha do horizonte entre mantras e tantras. Viajar por territórios fugazes em trânsito entre o inusitado e o insólito, riscando a abóbada celeste nas asas do sublime. Guardar na mão direita, nomes de potestades, e na esquerda a chave das comportas do tempo. No lado escuro da lua, um quasar pulsante ilumina a passagem de internos cometas feéricos, cujas iridescências rutilantes revelam musas oníricas que celebram núpcias no palco de um teatro diáfano, ora sacro, ora profano. Trazer no semblante, mandalas quânticas, em olhos que se fecham para poder ver as auroras edênicas. Na voz, jaz uma espada flamígera, grito em lume de neon, raio de aura púrpura, hálito de tântalo e saliva de cicuta. Nas veias, ferver uma torrente violácea, âmago de magma rubro, caudal de labareda ígnea em ascese de volúpias e olores de âmbar. Por ofício, fruir um horizonte diáfano, sem totens de jade ou alabastro, mas erigir um labirinto de epifanias, com pétalas das letras com as quais se constrói templos de enlevos, pontes de estesias e umbrais de alumbramentos. E assim, bendizer os romeiros, caminhantes e andarilhos que surgem no périplo, contemplar as paisagens ao longo do caminho e colher como flores os sorrisos ao longo da jornada.

Sem a certeza de ter havido um templo, as oraculinas ou mesmo algum oráculo, mas com a mensagem ainda ecoando na alma, desperta aos poucos, prostrado numa jangada, que ruma lentamente para a foz. Um tanto aturdido ainda, levanta os olhos e percebe a luz do poente, assim como a brisa tépida que acaricia sua pele e rememora tempos distantes, antigos amores e terras familiares. Enquanto o disco solar mergulha lentamente por detrás da linha do horizonte, decide não retornar para sua terra de origem, apenas seguir adiante. A verdadeira peregrinação está apenas começando...




IMAGENS: ARQUIVO PESSOAL






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