DESCONSTRUÇÃO DA IMAGEM DA MULHER POR MEIO DO DISCURSO FEMINISTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS RELAÇÕES DE GÊNERO.
Por Natalia Tamara
1. Introdução
A mídia tem um papel importante na sociedade moderna. É por meio dela que somos situados com relação aos acontecimentos do mundo, que são propagadas ideias,regras,padrões e costumes a serem seguidos. A internet trouxe uma revolução para a comunicação em massa por ser o espaço em que circula grande parte dos discursos da contemporaneidade.O presente artigo tem por objetivo propor uma reflexão sobre a imagem da mulher nas redes sociais; em especifico na página mulheres históricas no instagram. Tal reflexão traz por base o discurso feminista na internet que é difundido e mascensão no veículo e que traz inúmeros questionamentos históricos e sociais a despeito do valor da mulher nas redes sociais. Visto que se trata de uma rede social é evidente que haja discurso e nisto adentram reflexão as teorias de Michel Pêcheux (1938-1983), sendo que o mesmo foi o maior expoente da análise de discurso. Na página mulheres históricas podemos observar como o feminismo é aplicado no instagram. Vemos postagens que vão desde pensamentos de grandes personalidades femininas da história até a compartilhamentos de publicações de mulheres anônimas que compactuam tal filosofia e apresentam uma luta diária para conseguir seus anseios, que são em suma atitudes básicas de relacionamento social e direitos que em grande escala são negados vez após vez às mulheres. Toda publicação da página torna nítida a intenção de inspirar as mulheres a enfrentar as mazelas sofridas e a quebrar as correntes do patriarcado que as aprisionam. Pode-se notar,então,que há uma formação discursiva nas postagens que tem por determinante a ideologia feminista que carrega algo além funcionando no discurso,que é a memória discursiva.
2. Fundamentação Teórica
Para Pêcheux um discurso não é uma unidade fechada, e sobre isto ele assegura: um discurso não apresenta, na sua materialidade textual, uma unidade orgânica em um só nível que se poderia colocar em evidência a partir do próprio discurso,mas que toda forma discursiva particular remete necessariamente à série de formas possíveis, e que essas remissões da superfície de cada discurso às superfícies possíveis que lhes são (em parte) justapostas na operação de análise, constituem justamente os sintomaspertinentesdoprocessodeproduçãodominantequeregeodiscursosubmetidoàanálise(PÊCHEUX,1997b,105-106).
Nisto, pode-se notar que o autor denota a importância e necessidade de discursos anteriores para que haja uma validação à força de uma determinada ideia. No caso de ideologia como é o feminismo– ainda que apresentado diversas vezes de maneira informal ou numa rede social, neste caso–há um processo de ressignificação que conduz a uma construção de novos sentidos. Como afirma “o processo de produção de um discurso é representado pela rede de relações que afetam os domínios semânticos previamente colocados em evidência” (PECHÊUX,1997b,p.147).Analisar a produção discursiva nas redes sociais permite vislumbrar o modo como às novas relações sociais estão sendo erigidas por meio da linguagem, pois,pelas redes sociais, as mulheres(re)constroem e defendem seus espaços no“mundo público”,anteriormente a elas negado. A internet dissolve algumas barreiras e permite um modo de expressão feminista menos limitado. Da perspectiva linguística,podemos apreender a comunicação midiática por meio das construções textuais que circulam,concebendoalinguagemcomomediaçãonecessáriaentreohomemearealidadenatural,históricaesocial.EspecificamentedomiranteteóricoqueadotamosreferenteaAnalisedodiscurso.
[...] não trata da língua, não trata da gramática, embora essas coisas lhe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso,etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr,de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observasse o homem falando.(ORLANDI,2007,p.15)
Ainda na linha de se pensar a linguagem enquanto discursiva, podemos afirmar que,se por um lado, a língua é um sistema, ou seja, ela se constitui como rede interna estruturante das relações entre os elementos linguísticos; por outro, como discurso,podemos concebê-la como “combinações de elementos linguísticos [...] usadas pelo falante como propósito de exprimir seus pensamentos,de falar do mundo exterior ou de um mundo interior,de agir sobre o mundo” (FIORIN,2004,p.11).Assim sendo, a língua, enquanto discurso, constrói a realidade por meio dos mecanismos de linguagem, e é também por esse mecanismo que podemos refletir a cerca do processo cultural em relação a construção discursiva do movimento denominado feminista, apreendendo o discurso como forma de inscrição ideológica no mundo e representação da realidade pretendida. Da perspectiva discursiva, a língua é, para além de uma estrutura, um ponto de encontro entre uma estrutura(atualização do sistema linguístico)e um acontecimento(o retorno da memória discursivo como dito),como afirmado anteriormente. Além disso, é um modo de o sujeito imprimir sua identidade, uma vez que, por meio dela, ele é capaz de se expressar segundo seu próprio ponto de vista em relação às coisas do mundo, sendo que
[...]o texto se organiza e produz sentidos, como um objeto de significação, e também se constrói na relação com os demais objetos culturais,pois está inserido em uma sociedade,emumdadomomentohistóricoeédeterminadopelasformaçõesideológicasespecificas, como um objeto de comunicação. (BARROS, 2011, p.188).
A concepção discursiva,que imbrica discurso e posicionamento ideológico,remete, a nosso ver, a uma impressão moralizante efetuada no discurso acerca darealidadelinguisticamenteconstruída.Seosujeitofaladedeterminadolugareespaçohistóricosocialmentedeterminados,ele imprime sua visão de mundo,ideologicamentedeterminada.Apesardeseconstituirenquantomovimentoheterogêneo, o feminismo em rede mantém um núcleo comum, determinado pela defesa da identidade e do papel social da mulher segundo novos paradigmas.Ancorados,portanto,na Análise do discurso francesa,pretendemos refletir acerca da criação, uso e circulação da página do instagran mulheres.historias,enquantodifusoradeconceitosideológicos.Noprocessodiscursivodeestabelecimentododebatepúblicoemtornodatemáticadofeminismoedarepresentatividade da mulher nota-se a tentativa de reformulação do fio discursivo e temático estabelecido pela página mulheres.historicas em detrimento a relação de gêneros e conceitos de padrões sociais. Michel Pêcheux apropria-se da noção de formação discursiva e a ressignifica no campo da análise de discurso. Para a análise de discurso o sujeito é o resultado da relação existente entre história e ideologia. O sujeito,na teoria discursiva, se constitui na relação com o outro, não sendo origem do sentido, está condenado a significar e é atravessado pela incompletude.
3. Contextualização Temática
A internet tem, cada vez mais, feito parte do cotidiano dos indivíduos e o maior acesso é voltado para as redes sociais, que são estruturas onde indivíduos interagem com a finalidade de socializar e relacionar com pessoas e/ou grupos a fim de criar vínculos. Essa estrutura de comunicação vem ganhando espaço de forma significativa, sendo um forte meio de comunicação, pois são ferramentas que permitem o acesso a conteúdos e informações imediatas,além de promover o contato de pessoas de diferentes localidades, possibilitando compartilhar assuntos e notícias dos quatro quantos do país. A partir disso,sendo um mecanismo de informação instantâneo, tornam-se espaços nos quais as pessoas podem se reunir e fazer das redes sociais um lugar propicio para se organizar e organizar pautas de luta a partir de interesses e inquietações em comum. Neste crescimento de polaridades virtuais, muitos movimentos ganharam força e agregam cada vez mais “discípulos” em favor da causa. A análise do artigo está voltada para pagina virtual mulheres.historicas localizada na rede social instagran,a pagina é gerenciada por Dara Medeiros, e, expõe conteúdos oriundos do movimento feminista.Mulheres históricas - página do instagram, com pouco mais de trezentose noventa e sete mil seguidores, aborda-se questões de cunho político-social com enfoque na ideologia do feminismo. Com a premissa feminista, é problematizada em diversas postagens a imagem da mulher através de citações, trechos de séries e filmes, charges e postagens de personalidadese /ou seguidores da página.
3.1. Uma análise a partir das relações de gênero
SegundoBetto(2001):
emancipar-se é equiparar-se ao homem em direitos jurídicos,políticos e econômicos. Libertar-se é querer ir mais adiante, [...]realçar as condições que regem a alteridade nas relações de gênero, de modo a afirmar a mulher como indivíduo autônomo,independente [...] (BETTO,2001, p.20).
Através das redes sociais of eminismo vem desconstruindo uma imagem romantizada da mulher que fora sendo construída no decorrer dos séculos e com isso construindo uma bela epígrafe de empoderamento a cada feminista.As mulheres estão se libertando das ideias torpes de que são frágeis,indefesas,incapazes, objetos de prazer e, sobretudo, submissas aos homens transeuntes de suas vidas. A criação e o compartilhamento de conteúdo feminista reeducam e abrem um leque gigantesco de curiosidade histórica e criticidade social, todavia são esses conteúdos que inspiram esse movimento e anunciam que não há mais espaço para a ignorância machista nem tampouco para abusos que foram sofridos por milhares e milhares de mulheres no decorrer da história. Com isso, confirma-se as ideias no que diz respeito à memória de discurso e sua relação com o sujeito. Acharddiscorre:
[...]o implícito trabalha então sobre a base de um imaginário que o representa como memorizado, enquanto cada discurso, ao pressupô-lo, vai fazer apelo a(re)construção, sob a restrição‘no vazio’de que eles respeitem as formas que permitam sua inserção por paráfrase. Mas jamais podemos provar ou supor que esse implícito (re) construído tenha existido em algum lugar como discurso autônomo(1999,p.13).
Podemos dizer que o pensamento feminista,como expressão de ideias que resultam da interação entre desenvolvimento teórico e prático, não constitui um todo unificado.Porém, de acordo com Piscitelli(2001),apesar das diferenças das distintas correntes feministas, as abordagens desenvolvidas após o final da década de 1960 compartilham ideias centrais. Em termos políticos,consideram que as mulheres ocupam lugares sociais subordinados em relação aos mundos masculinos,e essa subordinação feminina é algo que varia de acordo com a época histórica e o lugar do mundo em que ela seja estudada. Ao invés de aceitar a subordinação feminina como algo natural, o pensamento feminista sustenta que ela é decorrente das maneiras como a mulher é construída socialmente.
Para tratar sobre a questão do gênero, incorporamos a imagem retirada da página virtual instagran mulheres.historias que tonaliza as questões feministas. Desta forma, se para Foucault a construção dos sujeitos se dá por meio dos discursos que carregam efeitos específicos de poder,pode-se dizer que a sociedade produz imagens, discursos visuais do feminino, seja através de qualquer meio de comunicação, que são reflexo e resultado de uma ideia socialmente enraizada relativa à feminilidade, e essas imagens difundidas de forma massiva, produzem e estabelecem modos de pensar o feminino nas sociedades ocidentais. Na verdade,essas imagens influenciam tanto a auto-concepção feminina, quanto o modo como a sociedade aprende a pensar o que é ser mulher. Isto se dá por que o visual é central na construção da vida social nas sociedades contemporâneas ocidentais, ou seja, as imagens são visões do mundo. As imagens, sendo elas uma forma de discurso, contribuem para a sedimentação e legitimação de práticas sociais concretas por possuírem a capacidade de mostrar um mundo social do qual elas próprias emergem e que, em si, funciona de acordo com aqueles mecanismos.Assim, as imagens nos dizem como devemos nos comportar, como devemos tratar a aparência, como devemos esperar ser vistos e tratados pelos outros.Elas, como qualquer outra prática social, organizam o imaginário ligado à mulher, sendo, então, um campo importante quando se trata de questionar relações de poder e de combater mecanismos de perpetuação da dominação masculina.
3.1.Uma análise referente à desconstrução dos padrões sociais
A ideia de desconstrução da imagem da mulher faz-se necessária pela estapafúrdia sexualização da mulher em contextos ilógicos e à busca por um padrão ideal desse objeto de desejo. Quando se refere a busca por um padrão da imagem do corpo da mulher de imediato ignora-se a diversidade corpórea que há, já que é grande minoria que se encaixa à padronização do‘corpo perfeito’.Infelizmente muitas mulheres sofrem por não se encaixarem no ideal padrão corporal e gastam um bom tempo de suas vidas num frenesi para atingir o que em alguns casos é inatingível. Há angustia e sofrimento por não se sentirem desejáveis e atraentes – o que é ensinado desde muito cedo pela sociedade patriarcal que visa unicamente o lucro com produtos de beleza fortalecendo um ideal de beleza extremamente restrito. Na página é problematizada a questão da imagem da mulher enquanto produto de desejo comercial segundo os padrões sociais e a desconstrução desse discurso, discurso esse que é implantado na mente das pessoas desde muito cedo. O discurso é percebido como opacidade na teoria de discurso de Michel Pêcheux. Esta ideia de discurso é ligeiramente interligada ao sentido político da linguagem que abrange a origem do discurso e suas origens a questionamentos à linguagem dando-lhe como parte de um mecanismo ideológico. Segundo Orlandi(2005, p. 10), Pêcheux “concebe o discurso como um lugar particular em que esta relação ocorre e, pela análise do funcionamento discursivo, ele objetiva explicitar os mecanismos de determinação histórica dos processos de significação. Estabelece como central entre o simbólico e o político”. A página mulheres.historicas, traz imagens que abordam questionamentos referente a beleza feminina;uma aparência bela, ligada a beleza física, que traz consequência na vida das mulheres, sendo isso considerado um fator determinante da sua existência. Sendo importante notar que a beleza é moldada por padrões e critérios bem definidos, o que acaba implicando na construção de um ideal, que ocasiona o afastamento forçado da aparência da mulher comum, que não é considerada idealmente bela e que, portanto, não está adequada a todos os critérios prescritos. Esse padrão de beleza estereotipado é limitado por rígidos parâmetros no que diz respeito à idade,ao peso,à etnia e à classe. É preciso perceber o quanto esses discursos exploram os estereótipos de gênero e o quanto eles estão culturalmente enraizados em nossa sociedade, visto que, quando olhamos uma imagem com os papeis de gênero trocados acabamos reagindo com estranheza. Esta se dá porque estamos acostumados a esses estereótipos de gênero e a sempre relacionar o“homem” a uma categoria superior. Após o que foi exposto, nota-se que as expectativas sociais são materializadas na forma de arte fatos industriais, seriais e padronizados de acordo com uma normalização implícita, com o intuito de regular o olhar e a constituição das imagens.Esseolharmasculinoqueéinstituídoéqueseráaforçaquedominaasimagens,que constrói a imagem de mulheres, que exacerba a fantasia, segundo o mercado.Porém, se ao observador resta a ilusão de controlar a imagem, é preciso estar claro que essas imagens não são inofensivas, visto que, por serem discursos de poder, elas enraízam e perpetuam o machismo, sendo facilmente transferidas e personificadas na vida real. Levando em consideração as teorias, já citadas, dos autores que tratam das relações de gênero e poder, pode-se dizer que a imagem da mulher é um discurso criado pela sociedade patriarcal, e o seu consumo manufaturado passa a subsidiar a reprodução de imagens mentais, que colaboram e fomentam os estereótipos de gênero.
Imagens: Instagram Mulheres.Historicas
Publicação autorizada.
Natália Tamara Cerqueira da Silva, Graduanda em Letras/Literaturas (UNEB). Ativista cultural. Roteirista. Membro de algumas Arcádias Literárias. Organizadora e Coautora de Coletâneas/Antologias. Membro-Fundadora do Grupo de teatro Cultura em Movimento. Membro do Grupo de Pesquisa em Linguagem, Estudos Culturais e Formação do/a Leitor/a - (LEFOR). Coordenadora do projeto Bardos Baianos – Território Sisal. Detentora de alguns títulos, e prêmios literários. Atuou como Coordenadora de Cultura da Cidade de Saúde/BA.
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