sexta-feira, 1 de outubro de 2021

HISTORIOGRAFIA

 



Por Alessandro Silva



Portugal - uma das nações mais atrasadas da Europa em inícios do século XIX – encontrava- se frequentemente diante da possibilidade concreta, estimulada e aconselhada por muitos a ter a sede de seu governo transferida para o Brasil, colônia da qual se tornara totalmente dependente. A cada crise no Continente Europeu a ideia se renova, mas somente a partir dos ecos da Revolução Francesa, mais particularmente em seu período Napoleônico, a ideia ganhou força e premência. Com maior vigor a partir de 1801 a ideia frequentemente era cogitada. No entanto o Príncipe Regente D. João era fraco demais, inclusive, temeroso demais e indeciso demais para adotar medida de tão graves monta e repercussão.

Somente quando pressionado pelo avanço das tropas napoleônicas do General Junot, em fins de 1807 e pressionado pela Inglaterra, a decisão foi tomada de maneira tão apressada e atabalhoada que muitos bens dos fugitivos para o Brasil ficaram empilhados no cais: bagagem, livros da Real Biblioteca, prataria saqueada de igrejas, etc. Além disso, as embarcações vieram todas apinhadas de gente, sem os cuidados técnicos necessários a uma tão longa travessia (levaria cerca de 3 meses para atravessar o Atlântico nas rústicas naus da época): pelo menos dois navios sequer conseguiram zarpar e o suprimento dos que zarparam no dia 29 de novembro de 1807 mal eram suficientes para 2 ou 3 semanas. Foi sem dúvida uma fuga apressada e decidida às pressas e, sem a escolta britânica a prover quase tudo o que faltava, a viagem estaria fadada a uma tragédia.

Enfrentando as saunas em que os navios selados da época se transformavam nos Trópicos, com água e refeições racionadas, condições sanitárias precaríssimas, a Corte e seus inúmeros lacaios e bajuladores, de ministros a clérigos e oportunistas com suas numerosas famílias, penou três meses de céu e mar. O escorbuto (falta de vitamina C) e outras moléstias ceifaram vidas, uma infestação de piolhos obrigou a todos a raspar a cabeça, uma tormenta provocou um desvio de rota que a muito custo foi retificada, sempre com o apoio logístico da Marinha Britânica, e finalmente, a 22 de janeiro de 1808 os navios aportaram em Salvador.

Um fato curioso é que a princesa Carlota Joaquina, suas filhas e damas da corte desembarcaram com uns turbantes rústicos enrolados na cabeça para disfarçar a calva a que foram reduzidas pela infestação de piolhos. As damas da sociedade soteropolitana consideraram ser aquela uma moda europeia e aderiram com tal entusiasmo que até hoje as Baianas usam a indumentária.

A escala em Salvador proporcionou momentos de repouso após viagem tão longa e penosa e, aconselhado pelos seus ministros, D. João decidiu receber autoridades do Norte- Nordeste Brasileiro para as esquisitas cerimônias de "beijão-mão": filas de fidalgos,

esperando a vez para oscular as extremidades dos braços do Príncipe Regente, uma constante na vida de D. João, que exigia estas demonstrações de fidelidade e submissão com regularidade enquanto governou. Era preciso fortalecer os vínculos entre as províncias do Brasil colônia que, aos poucos, viria a se transformar numa nação, sede do governo português no exílio.

No dia 7 de março de 1808 a esquadra de D. João chega à Baía de Guanabara, mas o desembarque ocorre somente no dia seguinte. Os puxa-sacos que sempre cercam esse tipo de acontecimento no Brasil prepararam uma recepção retumbante, com muitos tiros de canhão, fogos de artifício e festas populares para saudar "a chegada do primeiro monarca Europeu a terras americanas".

Portugal foi saqueada pelos fugitivos de Napoleão antes de embarcar para o Brasil, mas mesmo assim os recursos eram insuficientes para sustentar uma das maiores cortes que qualquer monarca da época ousava manter em torno de si. Todos dependentes dos cofres governamentais e sequiosos de um enriquecimento rápido por aqui para uma volta a Portugal à primeira oportunidade. Casas foram requisitadas pela coroa portuguesa que nelas colava cartazes com as iniciais P.R. (casa requisitada pelo Príncipe Regente) que a irreverência carioca rapidamente entendeu como "Ponha-se na Rua!" Os impostos foram aumentados a níveis até então inusitados.

Uma vez que a sede do governo português situava-se no Rio de Janeiro, foram necessárias algumas medidas, muitas das quais expressamente acertadas com a Inglaterra pela "cortesia" da escolta, progressistas para a época, como a Abertura dos Portos às Nações Amigas, pelo acordo acertado com antecedência, o Brasil seria o principal escoadouro do excedente comercial britânico e a Inglaterra contava com benefícios alfandegários ainda superiores aos dos portugueses.

Foi necessário ainda criar um órgão para evidenciar a moeda que circularia por aqui, o Banco do Brasil. Como foi criado na base do compadrio e muita corrupção, teve vida efêmera. Em 1820 teve seus cofres saqueados pela Família Real de volta para Portugal, faliu e acabou sendo liquidado em 1829. Somente em 1835, já no governo de D. Pedro II o Banco do Brasil foi recriado. Como a oposição ao governo era um crime gravíssimo, o único jornal com alguma postura críticas que, mais tarde, contudo, precisou ceder ao governo português, era o Correio Braziliense, que Hipólito da Costa editava em Londres.

Com todas as fraquezas, todo o medo e covardia, além de toda a corrupção que cercou a fuga da Família Real para o Brasil, devemos o princípio de  nossa  emancipação  política ( vulgarmente conhecida como "Independência") a este episódio, a esta travessia de 1808.Através de brutais repressões e da concentração autocrática o Brasil, ex- colônia portuguesa, manteve sua integridade territorial, linguística e, em alguns aspectos "cultural", ao contrário do Império Colonial Espanhol que se fragmentou em dezenas de Nações distintas.

Os únicos problemas armados envolvendo o episódio conhecido como "Independência", o 7 de setembro de 1822, quando D. Pedro rompeu com as cortes portuguesas, foram de alguns portugueses e brasileiros nativos que se rebelaram contra a autonomia desejosos de continuar mamando nas tetas de Portugal. Estes foram repelidos, novamente, com a ajuda de mercenários ingleses contratados pois nossa Marinha estava ainda em projeto.

De mais a mais, como Portugal devia 2 milhões de libras esterlinas à Inglaterra, para reconhecer a autoridade de D. Pedro I sobre o Brasil a ex-metrópole exigiu o repasse da dívida para a nova Nação Brasileira, dando o pontapé inicial em nossa interminável dívida externa.

Publicação autorizada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RUSSEL-WOOD, A. J. R.. Centros e periferias no mundo luso-brasileiro,1500-1808. Rev. bras. Hist. [online]. 1998, vol.18, n.36, pp. 187- 2  5  0  .     I  S  S  N     1  8  0  6  -  9  3  4  7 .

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01881998000200010.

Alessandro Lopes Silva, natural de Teresópolis/RJ. Graduado em História pela Universidade Norte do Paraná, é membro da Academia de Letras do Brasil-Teresópolis. Autor de vários artigos é do livro "Contos do interior lendas do Brasil". Colunista da REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA há sete anos já participou de várias antologias entre elas coletânea 50 vozes do Brasil 1,2,3.

 

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