JILÓ
Até alguns anos atrás um comércio era também chamado de “Venda”, podia ser um misto de mercearia e bar e ainda quitanda.
Tempos idos...me lembrei hoje da “Venda
de Seu Jurandir”, lugar onde passei alguns momentos hilariantes, gostosos e
mesmo mágicos da minha vida.
Não se assemelhava a nada que já tenha visto depois, havia de tudo ornando as
paredes, desde estrelas do mar até couraças de tatu-bola, chapéu de vaqueiro,
gibão de couro crú, uma cabeça de boi, garrafas de pinga com caranguejos e
cobras dentro, enfim toda sorte de bugigangas que podiam lembrar o nordeste
terra de “Seu Jura” como era chamado seu dono, homem de muita lida e palavra,
todos o tinham como um bom sujeito.
Durante a semana era mais frequentado pelas donas de casa em busca de um pouco
de óleo, uma farinha ou um pedaço de carne sêca.
Tudo se encontrava ali de analgésico a manteiga de garrafa, farinhas, agulhas, sabonete...
Mas o barulho acontecia mesmo no final de semana, já na sexta-feira, os
camaradas se reuniam em rústicos tamboretes, para degustar uma boa cachaça, um
macaxeira frita ou para se deliciar com o lendário caldo de mocotó com maxixe,
vinha gente de outros bairros para degustar a iguaria, especialidade de Dona
Marilda, mulher de seu Jura, a criatura mais discreta que conheci, entrava e
saía sem dizer palavra, no máximo um sorriso tímido, a maioria nem a conhecia,
quase invisível, coisas de mulher avessa as velhacarias que aconteciam por ali,
na prosa dos homens.
Era costume se contar causos, a maioria magnificas mentiras sobre as façanhas
vividas por todos ali. Papagaios que assobiavam o hino nacional, cachorros que
sabiam tabuada, gatos que bebiam conhaque eram considerados café pequeno,
frente as narrativas encontradas ali com certa fartura.
Certa vez o causo ficou histórico, Constantino, um marceneiro pernambucano, já veterano, chegou na venda lá pelas cinco da tarde num sábado, véspera do dia das mães, estava meio frio com o fim do outono, ele pediu uma cachaça chamada Cariri e uma porção de macaxeira frita, normalmente todos dividiam as porções e Seu Jura nem cobrava a primeira pinga dos mais chegados.
Entre caçadas e pescarias várias, foram se divertindo e bebendo como sempre, lá pelas tantas Constantino puxou seu tamborete mais para perto da turma e emendou:
- Olhem, vocês falam muito de criação, passarinho, cachorros bravos, mas a
história que vou contar é mesmo assombrosa e até capaz de alguém aqui, não
acreditar....
O povo se entre olhou... uns deram risada e espetaram:
- Constantino, conte logo cabra!
Constantino ajeitou as calças, deu mais gole e soltou:
- Pois tá, lá no sítio de meu pai, em Pinguelo do Cão (quando ouviram o nome da
cidade muita gente já percebeu que o negócio era forte)
- numa tarde muito quente, eu fui
buscar capim para a criação de meu pai, uns vaquinha, dois jegues, a gente
tinha um pouco de cada, porco, galinha, tudo tinha.
Eu já vinha embora quando percebi que
um Louva-Deus estava pegado em minha camisa, ia dar um tabefe nele, mas achei
graça no bichinho e toquei pra casa assim mesmo, ele ficou lá, não saia de
jeito nenhum
Deixei a carga no lugar certo, meu irmão me ajudou a tirar tudo e dali já fui
tomar meu banho, na hora de tirar a camisa, peguei o bicho com cuidado e
coloquei na porta do quarto, tomei meu banho tranquilo, me vesti e quando
voltei, não é que o danado ainda estava lá???...
Fui jantar normalmente com a família, falar do dia, da vida dos outros...dei nem conta, me esqueci do bicho e dormi.
No dia seguinte acordei e o danado nem parece que tinha mudado de posição, uma besta!
Fui fazer minhas obrigações, almocei e quando dei fé o bicho estava de novo enganchado em minha camisa, sabe que já estava me afeiçoando ao bichinho.
Os dias se passaram e um belo dia quando estava limpando a gaiola dos passarinhos de meu pai, não é o que o bicho entrou lá dentro?
A gaiola estava vazia e eu acabei deixando ele lá, coloquei umas folhagens, um
pedaço de mamão e ele bem gostou... olha isso!
Até agora o povo tinha ouvido respeitosamente, já tinha sido servida a segunda
rodada de pinga, mas todos sabiam que o melhor ainda estava por vir. Pois
bem...
Depois de um tempo todos na casa gostavam do bichinho que até nome tinha:
- JILÓ!!
Uma vez estava brincando com Jiló e vi que ele ficava no puleiro e tinha certa dificuldade porque a madeira era muito lisa, troquei os puleiros por algo mais rústico e daí foi que eu vi o espetáculo!
Jiló era um acróbata!
Ele se jogava de um para outro puleiro e pulava de costas, se equilibrava numa perna só, ia pra lá e pra cá, chega fazia pose
Botei ele numa gaiola bem maior, só para ver as acrobacias de Jiló!!
Coisa de doido mesmo.
A mentira foi tão bem contada que ninguém falava.
Ficaram tão bestificados com a coragem de Constantino que sequer brincaram entre si, um ou outro fez menção de perguntar alguma coisa, mas seu Jura mandou ficar quieto.
Não tinha outra coisa a fazer, Seu Jura pediu licença e fechou o bar
Num canto escondida Dona Marilda ouviu tudo, mas ninguém a viu como de costume, quando seu Jura subiu para casa, ainda espetou o marido.
- Tem Jiló fritinho amor, acabei de fazer, quer um pratinho?
Seu Jura, sapecou:
- Mas até tu??!! Quem dera que mataram esse bicho dos infernos!
Publicação autorizada.
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