quarta-feira, 1 de setembro de 2021

MACHADICES

 


Por Antonio Carlos Machado


JILÓ

Até alguns anos atrás um comércio era também chamado de “Venda”, podia ser um misto de mercearia e bar e ainda quitanda.

Tempos idos...me lembrei hoje da “Venda de Seu Jurandir”, lugar onde passei alguns momentos hilariantes, gostosos e mesmo mágicos da minha vida.

Não se assemelhava a nada que já tenha visto depois, havia de tudo ornando as paredes, desde estrelas do mar até couraças de tatu-bola, chapéu de vaqueiro, gibão de couro crú, uma cabeça de boi, garrafas de pinga com caranguejos e cobras dentro, enfim toda sorte de bugigangas que podiam lembrar o nordeste terra de “Seu Jura” como era chamado seu dono, homem de muita lida e palavra, todos o tinham como um bom sujeito.
Durante a semana era mais frequentado pelas donas de casa em busca de um pouco de óleo, uma farinha ou um pedaço de carne sêca.

Tudo se encontrava ali de analgésico a manteiga de garrafa, farinhas, agulhas, sabonete...


Mas o barulho acontecia mesmo no final de semana, já na sexta-feira, os camaradas se reuniam em rústicos tamboretes, para degustar uma boa cachaça, um macaxeira frita ou para se deliciar com o lendário caldo de mocotó com maxixe, vinha gente de outros bairros para degustar a iguaria, especialidade de Dona Marilda, mulher de seu Jura, a criatura mais discreta que conheci, entrava e saía sem dizer palavra, no máximo um sorriso tímido, a maioria nem a conhecia, quase invisível, coisas de mulher avessa as velhacarias que aconteciam por ali, na prosa dos homens.
Era costume se contar causos, a maioria magnificas mentiras sobre as façanhas vividas por todos ali. Papagaios que assobiavam o hino nacional, cachorros que sabiam tabuada, gatos que bebiam conhaque eram considerados café pequeno, frente as narrativas encontradas ali com certa fartura.

Certa vez o causo ficou histórico, Constantino, um marceneiro pernambucano, já veterano, chegou na venda lá pelas cinco da tarde num sábado, véspera do dia das mães, estava meio frio com o fim do outono, ele pediu uma cachaça chamada Cariri e uma porção de macaxeira frita, normalmente todos dividiam as porções e Seu Jura nem cobrava a primeira pinga dos mais chegados.

Entre caçadas e pescarias várias, foram se divertindo e bebendo como sempre, lá pelas tantas Constantino puxou seu tamborete mais para perto da turma e emendou:

- Olhem, vocês falam muito de criação, passarinho, cachorros bravos, mas a história que vou contar é mesmo assombrosa e até capaz de alguém aqui, não acreditar....
O povo se entre olhou... uns deram risada e espetaram:

-  Constantino, conte logo cabra!
Constantino ajeitou as calças, deu mais gole e soltou:
- Pois tá, lá no sítio de meu pai, em Pinguelo do Cão (quando ouviram o nome da cidade muita gente já percebeu que o negócio era forte)

- numa tarde muito quente, eu fui buscar capim para a criação de meu pai, uns vaquinha, dois jegues, a gente tinha um pouco de cada, porco, galinha, tudo tinha.

Eu já vinha embora quando percebi que um Louva-Deus estava pegado em minha camisa, ia dar um tabefe nele, mas achei graça no bichinho e toquei pra casa assim mesmo, ele ficou lá, não saia de jeito nenhum
Deixei a carga no lugar certo, meu irmão me ajudou a tirar tudo e dali já fui tomar meu banho, na hora de tirar a camisa, peguei o bicho com cuidado e coloquei na porta do quarto, tomei meu banho tranquilo, me vesti e quando voltei, não é que o danado ainda estava lá???...

Fui jantar normalmente com a família, falar do dia, da vida dos outros...dei nem conta, me esqueci do bicho e dormi.

No dia seguinte acordei e o danado nem parece que tinha mudado de posição, uma besta!

Fui fazer minhas obrigações, almocei e quando dei fé o bicho estava de novo enganchado em minha camisa, sabe que já estava me afeiçoando ao bichinho.

Os dias se passaram e um belo dia quando estava limpando a gaiola dos passarinhos de meu pai, não é o que o bicho entrou lá dentro?

A gaiola estava vazia e eu acabei deixando ele lá, coloquei umas folhagens, um pedaço de mamão e ele bem gostou... olha isso!
Até agora o povo tinha ouvido respeitosamente, já tinha sido servida a segunda rodada de pinga, mas todos sabiam que o melhor ainda estava por vir. Pois bem...
Depois de um tempo todos na casa gostavam do bichinho que até nome tinha:

- JILÓ!!

 Por que comia um jiló lascado!!!

Uma vez estava brincando com Jiló e vi que ele ficava no puleiro e tinha certa dificuldade porque a madeira era muito lisa, troquei os puleiros por algo mais rústico e daí foi que eu vi o espetáculo!

Jiló era um acróbata!

Ele se jogava de um para outro puleiro e pulava de costas, se equilibrava numa perna só, ia pra lá e pra cá, chega fazia pose

Botei ele numa gaiola bem maior, só para ver as acrobacias de Jiló!!

Coisa de doido mesmo.

A mentira foi tão bem contada que ninguém falava.

Ficaram tão bestificados com a coragem de Constantino que sequer brincaram entre si, um ou outro fez menção de perguntar alguma coisa, mas seu Jura mandou ficar quieto.

Não tinha outra coisa a fazer, Seu Jura pediu licença e fechou o bar

Num canto escondida Dona Marilda ouviu tudo, mas ninguém a viu como de costume, quando seu Jura subiu para casa, ainda espetou o marido.

- Tem Jiló fritinho amor, acabei de fazer, quer um pratinho?

Seu Jura, sapecou:

- Mas até tu??!! Quem dera que mataram esse bicho dos infernos!

Publicação autorizada.


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